terça-feira, 2 de agosto de 2011

Jornal da Comunidade - Apaixonado por Café



Ele visitou o Brasil, pela primeira vez, em 1990 e se encantou pelo país. Seis anos depois, mudou-se para Brasília, onde se dedicou ao comércio, vendendo sorvete e tiramissu. Hoje, distribui seu premiado café, dá cursos de barista e ainda ensina italiano de um jeito inusitado

Antonello Monardo é um pedacinho da Itália em Brasília,cidade que visitou pela primeira vez em 1990, se apaixonou e escolheu para ser a sua morada. Mais que isso: acredita que está no Brasil para cumprir o destino iniciado com o avô, que veio para cá nos anos 20 em busca de melhores condições de vida, mas acabou falecendo. Com Antonello, enfim, o sobrenome Monardo prospera por essas bandas. Fornecedor do café que leva o seu nome e está presente em tantas casas de qualidade na capital, o empresário também se encontrou
com o projeto Parlando Italiano, que toca ao lado da esposa, Gabriela. Com o slogan cantando, mangiando e viajando, o projeto tornou-se um sucesso, sobretudo pelas excursões eno-gastronômicas feitas à Itália – sempre guiadas por ele, claro! Entusiasmado, depois de apresentar pontos imperdíveis da Sicília, Calábria e Emília Romana aos brasilienses, ele forma um grupo para embarcar rumo à Toscana e Umbria, em outubro.



Quando você chegou ao Brasil?
Estive, pela primeira vez, em 1990 e me mudei definitivamente em 1996. Passei a vir a Brasília com frequência a partir de 2002 por causa da minha atuação como delegado da Câmara Ítalo-Brasileira e Comércio e Indústria. Mas acredito que a minha história com o Brasil começou muito antes, em 1926, para ser exato. Penso que a minha trajetória neste país é uma espécie de resgate do que o meu antepassado veio fazer aqui e não conseguiu. Tem um quê de místico. O meu avô, assim como tantos italianos, chegou ao Brasil em busca de uma vida melhor. Foi trabalhar em uma fazenda de café, mas acabou adoecendo e morreu. Ele chegou aqui com 36 anos e eu também! Outra coincidência é que tenho a mesma idade que
a cidade. Gosto disso. Me sinto ligado a este lugar, de verdade.



Por que se mudou para Brasília?
Já existia essa atração pelo país por causa da história do meu avô e também a minha ex-mulher. Uni as duas coisas e troquei a Itália pelo Brasil. Tenho, no sangue, o dom do comércio e comecei a atuar em Brasília com o típico sorvete italiano de altíssima qualidade.
Importei o maquinário da Itália e as coisas iam bem, mas divergências entre os sócios me fizeram mudar de negócio. Passei, então, a fabricar o tiramisú e não é forçado dizer que introduzi essa famosa sobremesa na cidade, já que não existia por aqui. Virou uma febre,
a sobremesa da moda e, no auge, eu era distribuidor de mais de 80 casas. Poderia ter continuado com o tiramissu, mas aí veio o café...

Hoje, o seu nome está correlacionado com o café.
Como você começou a trabalhar com essa bebida tão consumida pelos brasileiros? Em meados de 1999 surgiu a oportunidade de distribuir o café Segafredo e eu mudei de ramo mais uma vez. Depois do sorvete e tiramissu, trabalho com mais um produto que é a cara da Itália, porque, apesar de lá não se plantar um pé de café, é impossível não associar as duas coisas. Gostei do negócio e quis ir além, investindo em uma marca própria, o que comecei a fazer em 2001.

A que você atribui o seu bom posicionamento no mercado, considerando o tempo relativamente curto do seu negócio?
Em primeiro lugar, à qualidade. Trabalho com um café produzido em Minas Gerais que tem o certificado Brazil Speciality Coffee Association (BSCA) e, há dois anos, recebi o International Coffee Tasting. Invisto no marketing e no atendimento ao cliente, do mais simples ao mais sofisticado. A busca pelo aperfeiçoamento é constante. Durante muito tempo foi verdade que o
melhor café saía do país e que só ficava o pior para trás. Hoje, não é mais assim. O Brasil não precisa pagar caro demais para ter um excelente produto. Sai ganhando quem tem conhecimento sobre a iguaria, porque vai saber comprar o grão.

Mas você não ficou no café espresso...
Não adianta você ter um bom produto se as pessoas não sabem reconhecê-lo. É preciso entender por que tal produto é mais caro que outro. Tomar café faz parte da cultura do
brasileiro e ele merece saber mais sobre a bebida. Sou mestre em café, reconhecido pela conceituada Accademia Italiana Maestri Del Caffè. Comecei com os cursos de barista e já
realizei 43. No início, eram pouquíssimas pessoas. Hoje, as turmas têm, em média, 15 alunos. Aos poucos, vão se formando bons apreciadores de café, gente que realmente entende e, por isso, pode exigir cada vez mais do produto. A exemplo, acontece de uma pessoa mandar trocar um vinho por avaliar que aquela bebida não está boa, não é verdade? Por outro lado,
quantas pessoas mandam trocar um café? É algo que não acontece. As pessoas, às vezes, acham que o gosto está estranho, mas não tem segurança para reclamar, não sabem nem por onde começar. Os cursos e a cultura de se tomar um bom café vão mudando isso.

Como identificar um bom café?
Na Itália se diz que um bom café é composto de 4M: miscela, macchina, macinino e mano. Ou seja: blend, máquina, moedor e mão, sendo a mão a mais importante. Daí a importância do barista. Investir no equipamento, no café e não dar a devida importância a quem vai tirá-lo compromete tudo. Mas é claro que a pessoa não é obrigada a gostar de café espresso e também não é verdade que o bom é café espresso. Se a pessoa gosta de café coado, feito na moka, tudo bem! O meu café preferido mesmo é o feito na moka. O que tem que ser observado aí é a origem do grão e se ele foi moído de acordo com a forma que será preparado.

Além de distribuidor de café e formador de barista, você é proprietário de uma escola de línguas. Como se deu essa complementação de serviços?
Sou casado há pouco menos de quatro anos com uma pedagoga. Conversando, fomos amadurecendo a ideia de fundar um curso de italiano diferente e fizemos essa feliz parceria com a Escola de Gastronomia de Brasília. A Parlando Italiano explora o idioma de uma abordagem mais interessante, ao meu ver, uma vez que também propõe o cantando, mangiando, viaggiando. Nos dias de hoje, dificilmente uma pessoa buscará aprender o idioma italiano por necessidade. Normalmente, é uma busca que tem mais a ver com vontade, com a realização de um sonho, exercício de um prazer. E foi assim que elaboramos o curso, mesclando aulas de gastronomia, possibilidades de viagens à Itália, programas fora da sala de aula; tudo de forma
bem lúdica, mas sem descuidar do ensino correto da língua. Tempos atrás tivemos aqui na
escola a embaixatriz da Itália, Antonella La Francesca, cozinhando pratos típicos de sua região, a Costiera Amalfitana. Não se tratava de uma chef e sim de uma mamma, mostrando o que a dela cozinhava e agora o que ela faz para os filhos. Foi uma delícia, assim como foram maravilhosas as nossas viagens. Só este ano, a escola já levou grupos para as regiões
da Emília Romagna, Calábria, Toscana e Sicília. Exploramos roteiros que fogem do tradicional. Visitamos, por exemplo, o ateliê da famosa designer Ana Gigli, fábricas de queijo e de azeite e conservatório de música. A próxima aventura será pela Toscana e Umbria, em outubro. A procura é muito boa e a propaganda boca-a-boca atraí pessoas de outros estados que se unem a nós nesses roteiros. A programação está fantástica e o preço inclui muito mais que hospedagem hospedagem, já que a ideia é viaggiando, mangiando e até bebendo, já que visitaremos regiões produtoras de famosos vinhos, como o Brunello di Montalcino!

Como é o seu dia a dia?
Uma loucura! Acordo, tomo café (claro!), faço uma caminhada quando tenho tempo, vejo os temas do curso de italiano, de barista, planejo as viagens, sem falar na Antonello Monardo, que me tem como o principal vendedor. É lógico que existe cansaço, momentos estressantes, mas, graças a Deus, estou realizado. As viagens, então, me fazem muito feliz, pois me proporcionam rever a minha terra, trabalhar e me divertir ao mesmo tempo. No final das contas, a sensação é de se estar viajando entre amigos. E, depois de uma viagem dessas, é normal que as pessoas se tornem mais próximas mesmo.

Você falou em rever a sua terra. Como faz para administrar a saudade de lá?
Bem, a minha casa é Brasília. Adoro viajar, mas quando chego aqui tenho aquela sensação
gostosa de quem acaba de voltar para casa. Minha família está toda lá e, felizmente, tenho possibilidade de revêlos com frequência. Mas não penso em voltar.

Você está envolvido em algum projeto especial atualmente?
Além de tudo o que faço, estou na expectativa do lançamento da 2ª edição do livro Louco por café. Estou muito feliz porque esse livro, que partiu de um convite do Senac, foi publicado há menos de dois anos. Os italianos têm fama de serem sistemáticos em relação à comida e acreditam que sua gastronomia é a melhor do mundo. Esses anos de Brasil te tornaram maleável em relação à diversidade culinária do nosso país? Sim, sem dúvida. Sou uma
pessoa que se adapta muito bem. Do Brasil, posso dizer que aprecio bastante desde uma boa picanha até a simplicidade de um arroz com feijão. Gosto muito da comida baiana e adoro os pratos mineiros.