segunda-feira, 7 de julho de 2008

JORNAL DA COMUNIDADE - Qualidade e Tradição

Edição 1023 - 05/07 a 11/07 de 2008
Expert em café, o empresário e barista italiano Antonello Monardo fala da grande paixão nacional, defende a valorização do produto e conta como deu continuidade, quase sem querer, ao trabalho do avô, que veio para o Brasil trabalhar numa fazenda cafeicultora
Natasha Dal Molin
nrosa@jornaldacomunidade.com.br

Em 1926, Domenico Monardo, aos 36 anos, embarcou da cidade de Vallelonga – Calábria, no sul da Itália, para o Brasil. Deixou a pátria e a família com o objetivo de trabalhar numa fazenda de café em Ribeirão Preto (São Paulo), mas o sonho não se concretizou: o italiano faleceu meses após a chegada no porto de Santos. Quem continuou essa história foi o neto dele: Antonello Monardo, nascido em Reggio Calábria, que mudou-se para Brasília em 1996 – à época, também tinha 36 anos – e, não por acaso, criou a empresa Antonello Monardo Café Espresso.

Profundo conhecedor do grão e de todas as etapas que envolvem da produção à comercialização, o empresário dedica-se hoje ao negócio e defende a valorização desse produto que é paixão nacional. Em um bate-papo descontraído e, claro, acompanhado de um bom café, ele concedeu esta entrevista ao Comunidade VIP.

Como você veio para Brasília?
Nasci na Itália, mais precisamente em Reggio Calábria, a capital da Calábria, na ponta final da “bota”. Minha ex-esposa é de Brasília e, desde 1990, eu vinha sempre à cidade. Mudei definitivamente em 1996. Primeiramente, fazia importação de equipamentos. Encontrei depois, por acaso, a distribuição do café. Esse “por acaso” estou resgatando agora porque tem uma tradição, no sentido de que meu avô veio em 1926 para trabalhar na lavoura de café, como milhares de italianos. Disso eu já sabia, mas estou resgatando essa história agora. Tanto é que estamos fazendo uma edição especial em homenagem a ele.

O que faz um café ser de boa procedência?
Até agora, é claro que tinha lugares um pouco melhor que outros para cultivar o café, mas agora estão se atentando que cada lugar tem um terroir (palavra francesa muito utilizada por enólogos, que compreende aspectos como o solo, topografia, quantidade de chuva ou sol da região de produção) específico. Por exemplo, falam que o sul de Minas tem o melhor café, mas, talvez, até na mesma fazenda pode haver uma variação, isso depende da exposição ao sol daquela planta. Uma fileira de árvore é diferente da outra. Antigamente, se fazia uma coleta unitária, agora a cultivação é seletiva. As fazendas já estão tentando melhorar a qualidade para conseguir um maior valor agregado no produto. Mas o café não é só a planta. A torrefação, que é o nosso trabalho, e também o trabalho dos profissionais, os baristas, conta muito porque, por vezes, você tem um produto muito bom, mas não sabe fazer. Tanto é que, na Itália, se fala que, para fazer um bom café, são necessários quatro aspectos: um bom café, uma boa máquina, um bom moedor e uma boa mão.

Como você avalia a produção brasileira?
O Brasil é o maior produtor do mundo do melhor café, mas os italianos, por exemplo, colocam valor agregado ao produto. Não precisa ser um grande matemático para saber que o Brasil poderia ser uma potência mundial se tivesse investido apenas no valor agregado. O agricultor, no lugar de uma saca a R$ 100, teria vendido a R$ 300 ou mais. O torrador, no lugar de torrar café que vende no supermercado a R$ 6 ou R$ 7, ganharia mais.

E essa história de que o melhor café produzido no Brasil vai para o exterior?
É claro que quem tem dinheiro compra sempre a “melhor parte”. Não é que obrigatoriamente a parte melhor ia para fora, na verdade, eles pagavam para tê-lo. Aqui, se compra o barato. O Brasil tem a melhor legislação do mundo para a classificação do café. São eles: o café gourmet, o café superior e o café tradicional. As outras definições são apenas ilustrativas, tipo café de exportação. Mas o que quer dizer café de exportação? O Brasil exporta o melhor e o pior porque há mercados que exigem um café de baixa qualidade, como os países árabes e a Rússia. Café premium? Não quer dizer nada. Quando alguém me pergunta como se faz para saber a qualidade de um café, digo que há um parâmetro para identificar qualquer produto de qualidade: o preço, com todas as devidas exceções. Se você quer pagar de R$ 8 a R$ 10 por um café, sinto muito porque nem o café cru custa isso. Além do plantio, colheita, torrefação, embalagem, frete, impostos, o que você pretende encontrar nesse café? Olhando friamente, portanto, um café gourmet vai custar entre R$ 30 e R$ 40. Sempre falo que café não é uma necessidade, ao contrário da água. Eu gosto, por exemplo, da água São Lourenço, mas se estamos em Brasília, no período de seca, se preciso tomar água agora por uma necessidade, posso recorrer à torneira. O café, não, tomo porque me dá prazer.

Estamos caminhando para essa valorização do café?
Há algum tempo atrás, nos restaurantes, o café era de graça. O dono da casa se sentia autorizado a comprar um café de segunda qualidade exatamente porque estava oferecendo como cortesia. Os clientes também perdiam porque faziam um bom almoço e finalizavam a refeição com um produto de baixa qualidade. Não é melhor que se cobre um preço honesto e ofereça um café de qualidade?

As pessoas estão dispostas a pagar pela qualidade?
Os cursos de baristas têm sido um sucesso e cerca de 60% dos que procuram as aulas são apreciadores. Não digo que, para eles, seja mais importante saber quanto os donos de restaurantes ganham. Na verdade, esses alunos serão fiscalizadores. Nunca me esqueço de uma história que ouvi. Durante uma viagem, uma moça falou que, onde ela trabalhava, o dono do estabelecimento havia colocado uma máquina de café, mas o café era tão ruim que, no primeiro dia, todo mundo passou mal. Depois, as pessoas se acostumaram. Isso não é exceção, talvez seja o que acontece com a maioria. Sempre uso o exemplo do chope. Se as pessoas estão no barzinho e o garçom serve chope quente, sem colarinho, todo mundo devolve. Mas quantos cafés você já devolveu na sua vida? Essa exigência é que melhora. Tem gente que faz curso para saber mais, assim como o vinho, o charuto, a cachaça.

E o café Antonello Monardo, é produzido em qual região?
Fazemos café regionalizado. Pergunto se alguém compraria um vinho que tivesse escrito no rótulo apenas vinho. Pelo menos, precisa saber a procedência e a uva utilizada. E por quê se compra café que vem escrito apenas café? Colhemos nas três principais áreas geográficas do Brasil: sul de Minas, Cerrado Mineiro e Mogiana (nordeste de São Paulo). E no rótulo informamos que é um café 100% arábica, que é gourmet e até as descrições da região. Cada região produz um café com características específicas, como o do sul de Minas, que possui gosto frutado e acidez alta, ou do cerrado mineiro, com gosto achocolatado e acidez baixa. O de Mogiana tem gosto frutado e acidez mediana. Achocolatado não quer dizer que adicionou chocolate, mas vem do terroir que falamos anteriormente.